TALES OF KENZERA: ZAU é UMA VIAGEM INTENSA, PORéM DIVERTIDA, PELO PROCESSO DE LUTO

A perda de um ente querido nunca é fácil. O processo de luto pode ser uma jornada extremamente intensa que te coloca em uma montanha russa de emoções incontroláveis. Num dia você pode estar super energético pensando “preciso tocar minha vida, é isso que a pessoa iria querer”, e no dia seguinte estar super para baixo querendo apenas ficar deitado chorando.

Normalmente, quando esse processo é representado no audiovisual, encontramos obras melancólicas com cores frias e sem vida, que nos levam ao encontro com as emoções do personagem por meio da anulação da felicidade. No entanto, Tale of Kenzera segue o caminho contrário e nos entrega uma obra colorida e cheia de vida que nos faz sentir todos os tipos de emoções, e não apenas as ruins.

Isso se deve pela maneira como as religiões africanas, inspirações para o jogo, enxergam a passagem da vida para a morte. Diferentemente dos enterros em que todo mundo veste preto e os choros cheios de dor preenchem o ambiente, é uma tradição para as religiões africanas sentir a dor da perda enquanto celebra a vida. Portanto, é normal que músicas e boas lembranças prevaleçam nas cerimônias de despedida que são, em sua maioria, cheia de cores vibrantes. E colorido é uma boa palavra para descrever Tales of Kenzera: Zau.

O jogo é um Metroidvania vibrante, no qual as cores são aplicadas com a finalidade de trazer diferentes sensações para o jogador ao longo da campanha, e a exploração de mapa serve para representar as etapas do processo de luto, que nunca será uma linha reta e sempre haverá altos e baixos. O visual do jogo é rico em cores vivas que trazem uma personalidade marcante para o título de estreia da Surgent Studios. Isso se dá desde os biomas até a paleta de cores dos inimigos, passando pelas roupas dos personagens e a luz que Zau emana quando usa as máscaras xamânicas.

História

Provavelmente a história é o ponto alto do jogo, não apenas por ter uma ótima premissa, mas por conta da maneira como ela é contada. O enredo de Tales of Kenzera predominantemente se passa em um livro escrito pelo recém falecido pai do protagonista Zuberi, como uma forma de trazer uma última conexão entre eles. Na história, o jovem xamã Zau propõe um acordo com o Deus da Morte Kalunga, de modo que se o protagonista guiasse a alma dos três Grandes Espíritos, a alma de seu pai seria devolvida ao corpo humano.

O acordo, então, é fechado e os dois saem juntos em uma jornada pelas terras de Kenzera. Não entrarei em muitos detalhes de como a história se desenrola para não estragar a experiência de ninguém, mas é muito interessante acompanhar a dinâmica dos dois personagens durante toda a campanha. Kalunga assume o papel de um Deus sábio que sabe exatamente o que está fazendo, enquanto Zau é apenas um menino que acabou de perder o pai e que está a todo custo tentando trazê-lo de volta. Assim como qualquer outra, a relação dos dois passa por turbulências, e com o tempo Kalunga consegue quebrar a barreira de defesa que Zau construiu.

Sem que haja side quests, a história de Tales of Kenzera: Zau é linear e dividida em quatro atos muito bem definidos. Basicamente em cada um desses atos uma área específica do mapa será desbravada por Zau até que sua missão seja totalmente concluída. No entanto, é claro que o jogador tem total liberdade para voltar em qualquer local já conhecido para explorar o mapa com mais afinco, em busca de Amuletos, Ecos, Reflexões e Rituais Espirituais.

Falando nas Reflexões e Ecos, eles são elementos importantes para a construção geral do enredo. Claro que você não precisa encontrar todos para terminar a campanha entendendo a história por completo, mas cada um deles adiciona uma nova camada ao produto final que fará com que tudo fique ainda melhor. Foi com uma Reflexão, por exemplo, que me peguei sorrindo lembrando do último dia que passei com meu pai ainda vivo. Portanto, esses são momentos que poderão fazer com que você acabe criando uma conexão extra com a história.

Jogabilidade e combate

Desde o início do jogo a movimentação de Zau pelo mapa já se mostra bastante dinâmica e fluida, e isso se deve a escolha dos desenvolvedores de colocar o pulo duplo e o dash como habilidades padrão de Zau, ferramentas de progressão que muitas vezes só são liberadas após algumas horas de campanha em outros Metroidvanias. A decisão se revela um acerto, dada duração da campanha relativamente curta, o que faz com que a história não precise se arrastar para inserir dois elementos tão básicos de movimentação em jogos do gênero. Isso também permite que as habilidades especiais adquiridas ao longo da campanha sejam realmente únicas e façam parte da construção do enredo, com a explicação dada por Kalunga da origem de cada um dos poderes que Zau consegue.

Quando se trata da verticalidade e do parkour, não há tanta dificuldade em Tales of Kenzera. Na maioria das vezes você pode morrer ou não conseguir concluir um desafio mais simples na primeira tentativa em uma parte mais complexa do mapa, mas em uma segunda ou terceira vez é quase certo que obterá sucesso. Não vejo isso como um ponto fraco do jogo, mas como uma abordagem diferente e mais tranquila, que permite que jogadores inexperientes não sintam frustração por não conseguir progredir. Já aqueles que já possuem as manhas dos sidescrollers de plataforma encontrarão maiores desafios em outras partes do jogo.

Esses desafios virão principalmente nas sequências de fuga, em que qualquer movimento errado fará com que você volte do início e faça tudo de novo. Assumo que mesmo querendo quebrar o controle durante as sequências, essas foram as minhas partes favoritas de Tales of Kenzera. Foram os momentos em que me senti mais desafiada e nos quais o jogo injetou o máximo de adrenalina em mim.

Outra escolha criativa dos desenvolvedores foi a inclusão de poucas lutas contra "chefões". Em Tales of Kenzera você não chegará em uma parte específica do mapa e terá uma luta contra um inimigo extremamente mais forte do nada. No entanto, não ache que você passará tranquilamente pelo mapa, pois além dos poucos inimigos comuns que aparecem durante sua travessia, existem diversos pontos em que verdadeiras provas de sua habilidade em combate serão postas em ação.

Nesses encontros a luta será contra esses mesmos inimigos básicos, já que a variedade de inimigos do jogo é mínima, porém o número de oponentes será bem maior, e às vezes as áreas nas quais essas lutas acontecem são desvantajosas para você e te levarão à morte um bocado de vezes, tendo que começar o embate desde o início. É principalmente nesses momentos que a “dança do xamã” virá à tona e você alternará bastante entre as máscaras, usando tanto os ataques de longo alcance e controle de grupo da máscara da Lua quanto o combate corpo a corpo poderoso da máscara do Sol.

Diferentemente de outros jogos do gênero, Tales of Kenzera salva automaticamente quando você avança pelo mapa. Portanto não será preciso ficar voltando para as áreas seguras para salvar e recuperar vida, e caso você morra em algum combate contra algum inimigo ou em um parkour mais arriscado, não terá que percorrer um longo caminho até voltar onde você estava. Ainda assim, existem pontos do mapa que quando encontrados irão recuperar sua vida: as bancadas de Amuletos e de viagem rápida.

Esse recurso só me atrapalhou uma vez, em que meu jogo salvou sozinho e eu estava em uma parte do mapa que não tinha como sair sem um elevador, que sumiu após eu voltar para o jogo. No entanto, me matei em um obstáculo e o jogo carregou o elevador na parte de baixo do mapa novamente, permitindo que eu subisse.

Para além das habilidades especiais

Além do medidor de vida, Zau possui um medidor de espírito que serve tanto para usar os ataques especiais de cada máscara quanto para dar uma pequena quantidade de vida ao protagonista. O medidor aumenta sempre que Zau bate nos oponentes, mas é possível usar um Amuleto que faz com que você receba espírito quando sofre dano também.Os Amuletos são modificadores que podem ser equipados nas bancadas e conquistados nos Desafios de Amuleto, que normalmente ficam escondidos pelo mapa e apresentam uma dificuldade um pouco maior para serem finalizados. Afinal você está conquistando algo que pode melhorar sua jogabilidade. No total, 11 Amuletos podem ser encontrados pelo mapa, mas há um número limitado de slots para equipar, o que lembra muito o sistema de amuletos de outro Metroidvania lançado este ano: Prince of Persia - The Lost Crown.

Existem também as habilidades de cada máscara, que podem ser melhoradas com pontos de Ulogi, conquistados ao derrotar inimigos, concluir desafios e encontrar esferas de Ulogi escondidas pelo mapa. Cada máscara possui uma trilha própria que você pode ir upando da maneira que preferir. Eu, por exemplo, foquei mais em upar minha máscara da Lua, mesmo usando muito mais a máscara do Sol. No entanto, quanto mais perto do final da campanha você for chegando, mais completa estarão suas trilhas de habilidades.

Já os Rituais Espirituais são verdadeiros testes de combate. Existem apenas três escondidos no mapa, mas que são nada fáceis, tanto para achar, quanto para completar. Você lutará contra hordas ainda mais intensas de inimigos do que aquelas que já enfrentou durante o progresso da campanha, portanto não se frustre se morrer algumas vezes.

Exploração

A exploração de mapa em Tales of Kenzera: Zau é bastante prazerosa, ainda que seja bastante intuitiva. Digo isso porque quando você desbloqueia uma nova área do mapa, ela se abre por completo e a arte do mapa mostra o que tem em cada lugar. Portanto, antes mesmo de ir em uma direção já dá para ter uma ideia do que você pode encontrar por lá, como, por exemplo, as árvores Baobá.

Isso, no entanto, não estraga a procura por outros elementos escondidos, principalmente os Ecos. Alguns são fáceis de encontrar, mas outros farão com que você fique batendo em paredes para ver se elas são falsas, tradição inaugurada pelo pai do gênero, Metroid.Ao longo da campanha é bem fácil encontrar a maioria dos “colecionáveis”, e consegui completar áreas inteiras e deixar apenas poucos Ecos e Amuletos faltando quando terminei a história. No entanto, os exploradores podem ficar tranquilos, pois assim que os créditos finais param de rolar, você volta para o menu principal com a opção de “continuar” disponível. Assim, você pode terminar a história tranquilamente e voltar para pegar os 100% em todas as áreas do mapa.

Vale a pena jogar?

Dependendo do seu nível de experiência com sidescrollers de plataforma, Tales of Kenzera: Zau pode não apresentar tantas dificuldades no combate e exploração de mapa, principalmente no início da campanha, no entanto é um título que vale a pena jogar do início ao fim. Com uma duração de aproximadamente 14 horas, caso você explore o mapa bastante durante a campanha, a história se desenvolve em um ótimo ritmo sem fazer com que você fique se sentindo entediado. Pelo contrário, é mais provável que você passe horas e horas jogando sem nem perceber.

Para aqueles que nunca jogaram um Metroidvania, Tales of Kenzera é uma boa porta de entrada, em especial por ser relativamente mais fácil que outros jogos do gênero e contar com uma campanha curta. A cadência de progressão tanto dos encontros com inimigos,quanto da verticalidade do parkour é executada de maneira impecável, fazendo com que a dificuldade do jogo e a evolução do jogador caminhem juntas.

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