YAMANDU COSTA TRAZ MúSICA AO BRASIL, ENTRE NOITES EM AEROPORTOS PELO MUNDO

MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS) - Na fila do check-in, Yamandu Costa busca no bolso da mochila, mas não encontra seu passaporte brasileiro. Revira tudo novamente, mas também não está ali seu passaporte italiano. Prestes a embarcar de Dresden, onde acabara de fazer um show, ele precisa chegar à Rússia, onde tem quatro apresentações marcadas. E, em seguida, mais três na China.

O violonista havia sido furtado. Liga, então, para o embaixador brasileiro em Berlim, pega um voo para lá e coloca as mãos em um novo passaporte azul ainda naquela manhã. Embarca para a Rússia, cumpre a agenda e, em Moscou, consegue que a embaixada italiana lhe forneça um novo passaporte, pois só com o documento europeu entraria na China no dia seguinte.

Toda a saga acontece enquanto ele aprova a capa do novo disco por email, compra as próprias passagens —"econômica mesmo, sou eu que pago", diz ele—, combina encontros com músicos locais, decide repertórios, chama táxis.

Recebe uma letra de um poeta gaúcho para musicar, envia um fragmento de melodia para outro letrar, dorme uma hora e meia no camarim antes de, é claro, subir aos palcos de todo o mundo e dedilhar seu famoso violão de sete cordas, cuja corda mais grave, acima da mi normal, é um dó —"apesar de eu afinar muitas vezes em si."

Costa faz tudo quase sozinho, ajudado por assessores ou por agentes de seus shows em cada país, mas viajando sem acompanhante, improvisando o tempo todo e se virando com um inglês mal aprendido, um espanhol perfeito de quem nasceu na fronteira dos pampas argentinos e um português para quem quiser ouvir uma língua exótica.

"Até que chega de você agarrar o instrumento para tocar. Aí, nossa, como é bom...", diz ele, se acalmando. "Me sinto útil tocando, sabe? Faz partes das melhores coisas do mundo, comida, sexo, vinhos e música. Tudo melhora com essas poucas coisas."

Costa se prepara agora para uma turnê latino-americana, que passou pelo Chile e Argentina, e chega ao Brasil nesta semana. Serão shows por três Sescs paulistas, em Araraquara, na quinta (25), Birigui, na sexta (26), e no Sesc 24 de Maio, em São Paulo, no final de semana (27 e 28), além de teatros em Curitiba e Londrina, em maio.

Com uma carreira internacional desde 2001, quando lançou seus primeiros álbuns, "Dois Tempos", ao lado do argentino Lúcio Yanel, e o solo "Yamandú", ainda com o ú acentuado, Costa já gravou tantos discos que perdeu a conta. "Uns 40", ele diz, num chute.

Desde 2019, quando se mudou do Flamengo, no Rio de Janeiro, para Lisboa, foram nada menos que 13 obras, a última delas neste ano, "Ida e Volta", com 14 faixas. "E tenho mais três prontos", ele afirma.

O novo álbum tem como foco a música ibero-americana, com ênfase nos chamados "cantes de ida y vuelta". São cantos clássicos espanhóis que chegaram à América Latina durante a era de colonização e voltaram transformados para a Espanha. Entre eles, o flamenco e as guarânias. Seu compasso, acentuação e harmonia são herança das guajiras cubanas e das rumbas ciganas.

"Sou músico popular", afirma, para quem confunde o fato de ele tocar música instrumental com erudição —ou por se apresentar, às vezes, acompanhado de orquestras. "Leio música muito mal", diz ele. "A palavra limita e a música instrumental fala com todos."

"Atualmente tenho me inspirado em grandes temas musicais para compor, como o choro, ou o baião, ou o samba. Um forró que tenha tudo, de Dominguinhos a Sivuca. Ou um tango, um chamamé. Venho buscando sintetizar em uma única música todos os estereótipos de um gênero, criando uma peça que seja emblemática para a alma brasileira", diz.

Falando ao jornal em Madri, na Espanha, quando se apresentou no centro cultural Carril del Conde para uma plateia lotada, Costa mal saiu do palco e já estava de partida para Lyon, na França, onde tocou no dia seguinte com a ópera da cidade e, depois, mais dois shows esgotados em Paris.

"É uma vida louca. Você toca na maior sala do país, é paparicado sem parar. Então segue para o aeroporto e tem que esperar 12 horas ali porque o voo foi cancelado. Monta um cercadinho com a mala e o estojo do violão e dorme no chão do aeroporto."

"Aí, quando chego em Lisboa, tenho os dois filhos. E mais festa, porque minha casa é um consulado. Toda noite tem gente chegando com um violão para um bate-papo", ele conta. Os filhos de 12 e 11 anos são Horácio e Benício, do casamento recém-terminado com a também violonista Elodie Bouny.

Para lá, se mudou em um "movimento estratégico", como gosta de dizer, cinco meses antes do estouro da pandemia. "Em 2017, por exemplo, eu havia 15 viagens para a Europa, fora Ásia e Estados Unidos". No Brasil, já havia passado e repassado por praticamente todos os Sescs do país. "E veio aquela baixaria do Bolsonaro", lembra.

"Já Portugal vive uma transformação. Hoje, é um país de migrantes. Claro que há problemas, de xenofobia, por exemplo. Mas meus filhos convivem na escola com ucranianos e nepaleses, entre muitas outras nacionalidades."

Aos 44 anos, Costa nasceu em uma família de músicos itinerantes, no profundo Rio Grande do Sul. Sua mãe era cantora, e o pai o ensinou a tocar o violão. Formado na tradição gaúcha, aos 5 já participava das apresentações da trupe. "Viajávamos no ônibus da família, onde minha mãe cozinhava e fritava batatas com ele em movimento", rememora, sorvendo seu mate, que carrega para todo o planeta.

Na China, o brasileiro conversou com a Martinez Guitars, a maior fabricante de violões clássicos do mundo. "Vamos fazer uma parceria, com violões de seis e de sete cordas", diz.

Aliás, para quem depende tanto de um violão de primeira linha, Yamandu é surpreendentemente desapegado ao seu. "Despacho sempre nos aeroportos. Antigamente eu levava na cabine. Mas as aeromoças implicam porque é um estojo duro, tem que convencer, discutir. Desisti. São tantas viagens."

Na mala vão ainda dois microfones alemães Schoeps, de altíssima qualidade. Só que às vezes dá errado. "Certa vez cheguei em Pescara, na Itália, sem o violão. Conseguimos emprestar um sete cordas de um cara lá. Depois, na Tunísia, desembarquei sem violão, sem microfone e sem mala. Comprei uma daquelas vestimentas árabes para me apresentar; fiquei enorme, muito engraçado", conta.

No mais, Costa reclama de uma inflamação no ombro que o aflige há dois anos. "Eu espero que isso não faça com que eu pare", afirma. Mas ele logo se anima. "Venho trocando ideia com o Renato Teixeira, sabe? Acho que vai sair álbum disso aí."

YAMANDU COSTA: TURNÊ IDA E VOLTA

Quando Sáb. (27), às 20h, e dom. (28), 18h

Onde Sesc 24 de Maio - r. 24 de Maio, 109, República

Preço R$ 40 a R$ 260

Onde comprar yamandu.com.br/agenda

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